Cine Belas Artes

Outro dia presenciei a seguinte situação no cinema:

Uma senhora conversa com o homem ao seu lado.

 – Você vai na passeata do Belas Artes?

 – Quando vai ser? – retruca o homem.

 – Sábado, acho.

 – Eu não.

 – Por quê? – diz a mulher surpresa.

 – Eu nem gosto daquele cinema?

 – Mas por quê? – insiste a senhora.

 – Ah… a sala é ruim, a projeção é ruim, o som é uma porcaria…

 – Mas é importante ele fic…

 – E outra – interrompendo – o dono não vai voltar atrás. Ele quer mais dinheiro, é o dono do imóvel, tá no direito dele. É a lei do mercado.

***

Nesse diálogo encontram-se os três principais argumentos sobre o fechamento do Cine Belas Artes.

A primeira questão diz respeito ao mercado. O dono do imóvel não quis renovar o contrato; quer mais dinheiro com outro locatário. Poderia tê-lo feito anos atrás, o que também não ocorreu por outras razões. Há uma questão de herança envolvida e, por outro lado, não boto a mão no fogo pelos donos do cinema. Alguma coisa no negócio não se concretizou e não acredito que seja apenas má vontade do proprietário do imóvel. Possivelmente, André Sturm e companhia não cobriram o valor pedido pelo locador. Afinal, todos sabemos que o Belas Artes não se paga, permanecendo aberto graças a incentivos e patrocínios que envolvem, entre outras coisas, o meu, o seu, o nosso dinheirinho. Foi a tal lei de mercado que fechou os grandes cinemas de rua do centro e vitimou o Gemini ano passado. Não sei muito bem que lei é essa, mas me parece não ser ela a questão primordial para a resolução do imbróglio.

Também rechaço a questão da qualidade do estabelecimento como argumento que pesa em definitivo na balança. As condições de projeção do Belas Artes são, sim, ruins. O som é péssimo e a acústica das salas, imperdoável. Era comum ouvir qualquer barulho mais forte advindo da Paulista ou da Consolação, até mesmo do hall do cinema ou de outra sala exibindo um filme mais ruidoso. Sem contar salas com corredor no meio – o que impedia assentos de frente para o centro da tela –, poltronas desajustadas que pareciam prestes a quebrar com você em cima (e muito ruidosas) e algumas telas que ficavam bem acima do nível do olho. Fora isso, o lugar ficou com um ar de “brega-chique” involuntário após a última reforma (o Gemini era um fantasma mais charmoso), ostentando uma modernidade monstrenga digna de São Paulo. Contudo, insisto: isso não deve ser o argumento essencial.

Porque no fundo se trata de valor histórico e social: o Belas Artes tem peso histórico na vida cultural da cidade. Contudo, essa situação de fechamento e desmonte dos cinemas de rua não começou agora. O próprio Belas Artes já ameaçou fechar outras vezes, assim como outros estabelecimentos, como o Marrocos, o Ipiranga e o Gemini, que por fim acabaram desativados. É um processo histórico o qual a sociedade demorou para se dar conta.

Parece aproveitador, nesse sentido, por parte do dono do cinema e da mídia jogar o público contra o dono do imóvel, esquecendo-se que assim como o papel histórico-cultural do Belas Artes  não começou mês passado, sua relação imobiliária também não. E a sociedade (locador e locatário, autoridades competentes, patrocinadores) tem parte no assunto.

O Belas Artes tem de permanecer aberto porque, me parece, isso é o certo. E a mobilização social é importante nesse caso, mas que não seja um evento isolado que só despertará novamente quando outro espaço cultural de relevância histórica da cidade estiver à beira do abismo.

Há ainda uma última questão a ser colocada em debate: caso a mobilização da sociedade evite o fechamento do cinema, qual será a contrapartida dos donos para com aqueles que lutaram pela sua sobrevivência? Não se trata em absoluto de caridade. Se a questão mercadológica não deve ser primordial na balança agora, não deve também ser o único fator a guiar os rumos do estabelecimento depois que a poeira assentar. A sociedade que brigou pela manutenção do estabelecimento (e pode conseguir) deve também pedir a sua parte na hora da volta olímpica. Afinal, manter uma sala de baixa qualidade e cuja reforma enterrou as características arquitetônicas originais do lugar apenas para que o senhor André Sturm tire uns trocados não me parece uma causa razoável e pode fazer com que o Belas Artes perca esse seu valor histórico-cultural gradualmente.

Deixe um comentário