Há um erro de cálculo grave: é Xingu e não E aí… comeu? ou De Pernas pro Ar 2 a prova do descalabro da idéia de cinema “comercial” brasileiro. As globochanchadas fazem seu público já domesticado de sempre, reproduzem linguagem e sensibilidades já oriundas da TV, bombardeiam seus espectadores com a mídia que sua matriz televisiva oferece. São, enfim, um produto no lugar errado – a TV no cinema – uma dessas distorções próprias da perversa relação cinema-público já históricas no caso brasileiro. E isso não começou há três décadas ou quando a Globo Filmes surgiu ou na Retomada ou na Embrafilme. O cinema brasileiro tem cem anos, queiram os produtores, líderes de associações e políticos queiram ou não.
Xingu é de outra ordem – há nele todos os decalques do filme para débeis mentais a custo de abandonar a idéia de dramaturgia cinematográfica. Xingu abre mão da mise en scène, da idéia, do olhar, em favor da “comunicação” (palavra prostituta). Mas Xingu se quer diferente. Não apenas esse produto que abdica da inteligência para fazer dinheiro, e sim um filme de qualidade, com uma história extraordinária e importante para contar, uma experiência a ser transmitida para a posteridade, obra de relevância cultural e artística (esse sim o filme a ser bancado pelo Estado, não é mesmo?). Aí, Xingu cai no erro, na mentira, vira um embuste, traz na embalagem a “qualidade técnica”, a grande fotografia (com direito a noite americana!), cenografia realista, música grandiosa, atores consagrados por seu trabalho e não “estrelas”, direção arrojada com uma série de procedimentos provando o quanto se domina esse troço. A grande farsa de fazer da Amazônia um estúdio natural para um filme tão publicidade de si mesmo, de sua capacidade de realização, a venda da idéia de “produto final”.
Não se trata de uma defesa do sub-produto televisivo contra o sub-produto publicitário. A questão é que o cinismo de Xingu me incomoda muito mais que Até que sorte nos separe. Pois Xingu – e por extensão, o projeto O2 de um cinema comercial brasileiro – é o mais próximo do que o Brasil produziu, em qualquer época, do cinema de qualidade francês: filmes que vendem a si mesmos enquanto obras bem-acabadas, arte cinematográfica, por sua superfície técnica, ainda que sejam filmes na maior parte das vezes sem idéia, mal-pensados, filmes técnicos e não cinematográficos. A perversão do cinema operada pelas globochanchadas abrem essa brecha para o cinismo publicitário disfarçado de cinema. Quando o resultado dá errado, os produtores acham alguém para pôr a culpa – afinal, tudo foi muito bem feito, né minha gente? A culpa é dos roteiristas (não sabem fazer roteiros), dos cineastas (não buscam o público), dos distribuidores (não vendem direito), da TV, do público que não está nem aí pra nada. As comédias televisivas continuam como vilãs, enquanto À Deriva, Cidade dos Homens, Paraísos Artificiais e Xingu são os bons companheiros injustiçados, o lugar onde o cinema brasileiro deveria ir, mas o “mercado” não está pronto para eles.
A culpa, meus senhores, é histórica, complexa e não apenas os filmes como os resultados e suas posteriores explicações são, na maior parte das vezes, ficções usadas como fim em si para “analisar” a situação – sempre a seu favor. Fernando Meirelles e seus comparsas mostram filme a filme que não entende(ra)m nada. Eles buscam, agora, novos talentos para associarem-se tentando renovar suas estratégias. Não faz diferença. Enquanto o rabo for mais “esperto”, ele continuará balançando o cachorro.