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matrix

A TECNOLOGIA E OS EFEITOS

Hoje é possível ver duas abordagens da tecnologia e dos efeitos especiais, uma seguida da outra.

A primeira é mais infantil e inocente. Trata-se de Capitão Sky e o Mundo de Amanhã. O título é obscuro já que os efeitos especiais aqui funcionam para recriar um passado alternativo onde uma aventura fantástica é possível, com robôs, aviões ultramodernos para a época e artefatos científicos. A inocência está em achar que emular uma fórmula consagrada (o filme de aventura) se basta para fazer um grande filme. Com isso Capitão Sky parece um filme sem tempo, anacrônico em suas escolhas de encenação e roupagem. Então, ao que se refere o “mundo de amanhã” do título? Talvez a uma supervalorização da tecnologia frente ao humano, a perspectiva de não precisar sair de um estúdio para filmar o mundo e, talvez, trazer de volta um ator falecido para a tela (no caso deste filme, uma “ponta” de “Laurence Olivier”). Uma boa dose de especulação, sem dúvida.

Matrix é um filme maduro, cujo mote está em transformar a tecnologia em algo enigmático, com doa dose de encantamento, mas perigosa, deveras perigosa. O futuro é apocalíptico, o mundo é uma ilusão. As maravilhosas cenas de ação dão corpo a este filme que joga com a questão do real/fantástico e usa os efeitos especiais como forma de alcançar o fantástico no que é, supostamente, real – dualidade que não se repetiria no restante da franquia. Em Matrix, mais que uma ferramenta, os efeitos especiais discutem os fenômenos que se passam frente aos nossos olhos. Como acreditar naquilo que se vê? Pensando assim, não seria a matrix um cinematógrafo? Aqui a especulação dá lugar a exame fenomenológico.

Capitão Sky e o Mundo de Amanhã, dir. Kerry Conran (Warner – 21h00)

Matrix, dir. Andy & Larry Wachowski (Warner – 23h00)

paranoid park

NO MEIO DO CAMINHO

Há uma grande melancolia em Paranoid Park. Ela se encontra na memória de um lugar perdido (o tal parque que dá título ao filme). Este éden é filmado em 8mm com música triste, câmera lenta, cores pastéis.

Contudo, o grande mérito de Gus Van Sant é tratar essa melancolia do protagonista, um adolescente que começa a descobrir os problemas da vida adulta, como uma sensação adulta, não infantil como o cinema costuma tratar os sentimentos juvenis. Um retrato maduro que evoca, em diversos momentos, a alegria memorialista de Fellini através das músicas de Nino Rota.

O rito de passagem deixa, então, de ser apenas uma peripécia e passa a ser um desafio: descobrir a si mesmo e entender também o mundo, apreciando as pequenas coisas e os grandes sentimentos. Mais que uma ponte, o que melhor traduz esse rito, em Paranoid Park, é uma pedra no meio do caminho.

Paranoid Park, dir. Gus Van Sant (Telecine Cult – 17h30)

filhos da esperança

O HOMEM COMUM

Um dos aspectos mais interessantes de Filhos da Esperança está além dos aspectos políticos ou da visão apocalíptica do futuro. É no protagonista, um personagem longe de ser um herói de filmes de ação como se vê na ficção científica há algum tempo.

Clive Owen cria uma anti-herói que é um pouco paspalho, um pouco sentimental, apesar de ser, inegavelmente, durão. Enquanto os principais eventos da história acontecem, ele parece não saber muito bem o que fazer, age por intuição, segue a biruta humana que pode levar ao erro, ao desastre.

É a este ser humano vivendo sua vida medíocre e, sem querer, jogado no olho do furacão da história que a humanidade deverá sua salvação.

Alfonso Cuarón com todo o barroquismo e complexidade técnica dos planos, cria um filme intenso no qual defende que apesar da grandiosidade de todos os heróis, o futuro – e a história como um todo – é feito por homens comuns.

Filhos da Esperança, dir. Alfonso Cuarón (TNT – 22h00)

primo basilio

MELÔ SUB-PRODUTO

Quando do lançamento de Primo Basílio, Daniel Filho indicara que o povo brasileiro era noveleiro e que as mulheres ainda escolhiam o programa de cinema de um casal comum.

E o que isso tema ver com cinema? Aparentemente nada.

Mas talvez tenha alguma ligação com o que Daniel Filho acredita ser audiovisual: um sub-produto televisivo. Pois este filme não passa, nesta concepção de audiovisual, de uma receita: um galã mau caráter, uma mocinha inocente, um marido dedicado porém ausente, uma amiga que trai seu marido para evitar o tédio, a vilã traiçoeira. Personagens esquadrinhados e tratados com palidez em uma história melodramática com o selo de qualidade de produção da maior rede de televisão do país. Nesse cenário de audiovisual, junta-se a fome com a vontade de comer.

O que diferencia basicamente o romance moral de Eça de Queirós do moralismo televisivo de Daniel Filho é que enquanto os exageros literários do português deixam para as entrelinhas a função de questionar seu tempo e lugar (o romantismo literário e a sociedade de aparências lisboeta), o filme do brasileiro se movimenta em direção a uma limpeza de qualquer traço de registro histórico, político, geográfico, social, seja em primeiro ou segundo plano.

Com isso, só está claro o melô. A roupagem é inspirada em Nelson Rodrigues, o que, sem a dramaturgia irônica deste, deixa mais exposta a receita de bolo audiovisual de Daniel Filho. Tudo está às claras em Primo Basílio, menos porque o interesse esteja em uma segunda camada, mas porque é feito para quem, supostamente, não sabe ver.

Primo Basílio, dir Daniel Filho (Cinemax – 20h30)

Não Estou Lá

MITOLOGIA DE DYLAN

Como tratar da biografia de um artista? Todd Haynes arriscou-se pelo caminho tão tortuoso quanto fértil da abordagem do criador através de sua criação. Como a abertura de uma bíblia, o que encontramos em Não Estou Lá não são fatos, mas relatos, recriações, fabulações.

Não há no filme sentenças de adoração ou reprovação, nem o velho trio ascensão-queda-retorno. Não Estou Lá é um mosaico das facetas artísticas que compõem o mito Bob Dylan. Este não deve ser tocado, nem presente está para sê-lo. Dylan é uma entidade que se mostra em formas diferentes, concretizando sua mitologia menos por sua vida factual, mas por suas peripécias recontadas em poesia e música. Uma espécie de deus.

E se Dylan é uma divindade, não pode ser preso dentro da emulsão, apenas resvalado por alternativas de encenação para lidar com sua persona em constante transformação: atores diferentes o interpretando, texturas de imagem, recriações fabulescas das peripécias. Portanto, especulação, recriação, poesia.

Não Estou Lá, dir. Todd Haynes (Telecine Cult – 23h25)

eu sou a lenda

A SOLIDÃO DOS OUTROS

Há coisas inexplicáveis em Eu Sou a Lenda que o tornam um filme estranho. Inicialmente, acompanhamos o último homem da terra sozinho e a câmera se debruça sobre o humano, aproveitando-se da simpatia fotogênica de Will Smith. Focado no homem e sua capacidade tolhida de ser (ora!) humano, o filme mantém seu interesse, pois não se atém a dar explicações, teorias e fabulações milagrosas de futuro apocalíptico. Estamos apenas no terreno do que é essencialmente humano.

Isso dura pouco, afinal, as necessidades de um produto cinematográfico acabam vencendo e a ação tem que comer solta durante a maior parte do tempo. Nesse ínterim, o filme fica banal, previsível e piegas. A sua força vital sai da simpatia de seu protagonista solitário (e, portanto, do lado humano) e passa para os efeitos especiais, ação, correria, bem e mal, salvação, grandes temas humanitários.

Fico pensando se este não seria um filme para o Godard de Viver a Vida, pois falta aqui o que sobra no de 1962: entender que a tragédia das pessoas solitárias é movida pelo confronto da natureza desses seres humanos (a saber: repleta de vontade de vida) com o meio em que vivem, repressor de suas essências.

Eu Sou a Lenda, dir. Francis Lawrence (HBO – 19h10)

Ao contrário do que muita gente pensa, a publicidade também cria coisas interessantes. Tirando seu carater comercial (tudo bem, talvez seja 80% ou 90% da coisa), existem peças que de fato são muito criativas, principalmente num espaço tão curto de discurso. É o caso da propaganda da Honda do gordinho cantando, da Folha usando a foto do Hitler, da Guinnes com a evolução da vida. Essa também é uma delas. Vale a pena prestar atenção.